Trump e a desregulamentação financeira

Recentemente o tema da desregulamentação financeira nos Estados Unidos, com a nova administração de Donald Trump, tem sido bastante discutido. Importa, portanto, saber a que se refere mais especificamente esta desregulamentação.

Após a crise de 2008, foram introduzidas diversas alterações na regulamentação do sistema financeiro dos Estados Unidos, pela administração Obama, sendo uma das principais a Reforma de Wall Street de Dodd-Frank e a Lei de Proteção do Consumidor de 2010, também conhecida por Dodd-Frank Act.

Esta reforma legislativa, liderada pelo senador Christopher Dodd e pelo congressista Barney Frank, visa reduzir os riscos do sistema financeiro e evitar o colapso das grandes instituições, como sucedeu em 2008 com o Lehman Brothers. Além disso, também pretende proteger os consumidores de empréstimos abusivos ou de alto risco, em particular no setor do crédito à habitação.

As medidas previstas na reforma passam por uma maior fiscalização dos bancos e de outras entidades financeiras, com especial enfoque naqueles que possam ter um maior impacto negativo na economia em caso de falência, designados “too-big-to-fail”. Neste contexto, as autoridades financeiras passaram a poder separar os bancos com potencial risco sistémico (i.e., os bancos cuja falência possa levar à falência de outras instituições financeiras e, consequentemente, pôr em risco todo o sistema) e a impor-lhes um aumento das reservas e rácios de capital mínimo.

Outro aspeto desta legislação passa pela chamada Volcker Rule, proposta pelo ex-presidente do FED, Paul Volcker. Esta regra proíbe os bancos americanos de se envolverem em certos investimentos de risco elevado, nomeadamente o “trading” proprietário e os investimentos em “hedge funds e private equities”. O objetivo é separar as funções dos bancos de investimento e dos bancos comerciais, limitando as atividades de maior risco relacionadas com o mercado de capitais aos primeiros, e aos segundos a actividade de crédito e depósitos. Trata-se, pois, de um regresso ao Glass-Steagall Act de 1933, que foi revogado em 1999.

O Dodd-Frank Act contém ainda disposições que visam regular alguns derivados financeiros, como os “Credit Default Swaps” (CDS). Os derivados de maior risco passaram a ser supervisionados pela “Securities and Exchange Commission” (SEC) e a ser transacionados em plataformas centralizadas, de modo a torná-los mais transparentes. Anteriormente, estes instrumentos eram negociados em operações “Over-The-Counter” (OTC), o que dificultava o conhecimento da real dimensão do mercado e os seus riscos para a economia.

Tal como o Glass-Steagall Act, também o Dodd-Frank Act tem sido alvo de muitas críticas. Para alguns, não foi suficiente e não resolveu o problema dos “too-big-to-fail”, tendo promovido a concentração no setor financeiro americano. Para outros, foi demasiado longe, sobrecarregando o setor, debilitando a sua capacidade de gerar lucro, reduzindo a liquidez do mercado, restringindo a concessão de crédito e, consequentemente, limitando o próprio crescimento económico.

Aguardam-se por isso as alterações que a administração de Trump possa trazer neste domínio. Desde que Donald Trump referiu o seu interesse em alterar o Dodd-Frank Act, as ações dos principais bancos americanos reagiram em alta generalizada. Em breve, conheceremos as alterações e o seu eventual impacto na economia.

Tomás Lameira,
Financial Markets Division

Article published on March 12th, 2017 · Jornal de Negócios


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