Os ataques no início deste mês em Paris chocaram toda a Europa. A ideia de Schengen, a solidariedade europeia e a segurança na Europa ficaram comprometidas – pelo menos por agora.
De todos os quadrantes temos ouvido propostas para como resolver este novo cenário de terror. A extrema-direita cerra fileiras para impedir a migração em massa para a Europa; os líderes religiosos pedem-nos para rezar e acolher os que chegam; as potências mundiais começaram os ataques, muitas vezes indiscriminados, às cidades-forte na Síria. Da minha parte, talvez pelo meu percurso académico, confio que será a economia a derrotar o autodenominado Estado Islâmico (EI).
“A cobra só morre quando lhe cortam a cabeça.” Pode parecer fora de contexto mas, o EI não sucumbirá com ataques aéreos ou espionagem permanente aos seus membros. A cabeça deste grupo não está nos seus líderes, pois esses podem ser substituídos. A sua força está sim nas suas fontes de financiamento pois são elas que diferenciam este grupo de tantos outros que, com ideais semelhantes, vivem apenas de doações particulares.
Hoje em dia o EI gera receitas invejáveis para muitas multinacionais. São 2 mil milhões de dólares anuais divididos entre o mercado negro do petróleo (28%), produção de cimento (15%), ácido sulfúrico (15%), cereais (6%), transporte de refugiados (18%), entre outros. É aí que reside a cabeça deste grupo e é a partir do corte destas receitas que podemos começar a estender a guerra às incursões militares no terreno – que temo serem inevitáveis.
A zona de maior influência do EI estende-se ao longo da Síria e do Iraque. Hoje em dia, o grupo controla 60% da exploração de petróleo na Síria e cerca de 10% no Iraque – o que se traduz numa produção média diária de 40 mil bdp a um preço que varia entre 20$ e 40$, gerando uma parte considerável das receitas (570M$). Mas a sua força não se resume exclusivamente ao petróleo. De facto a produção agrícola (120M$) ou de cimento (290M$) que abastecem grande parte da região provém de zonas controladas pelo EI, num regime quase monopolístico. A cadeia de distribuição destes produtos é extremamente estruturada com intermediários locais e uma direção centralizada, aliás somente as finanças e a propaganda do EI têm uma direção central, o que diz muito sobre a sua importância.
O estabelecimento do capitalismo como ordem económica mundial permitiu que agentes económicos de todo o mundo, através de mercados de capitais, tivessem participações em ativos e negócios nas mais diversas plataformas geográficas. Deste modo foi criado um novo paradigma mundial onde fundos soberanos, fundos de investimento e Estados têm um papel ativo nas economias de outros países. Este paradigma permite aplicar sanções económicas e controlo de capitais que antes eram impossíveis. No entanto, a situação acaba por ser uma faca de dois gumes já que o poder económico que estes fundos e Estados têm pode também ser utilizado para limitar as intervenções político-militares de alguns Estados contra o EI.
As ferramentas que o capitalismo nos deu aliadas às informações das secretas dos vários países permitem saber quem são todos os agentes envolvidos nestes negócios e agir em conformidade. Refinarias de países vizinhos que procuram aumentar as suas margens, fabricantes e traficantes de armas que lucram com esta guerra, países produtores de petróleo que beneficiaram da queda da estabilidade na zona – todos eles devem ser chamados à justiça. Grupos como o BMZ Group, detido pelo filho do presidente da Turquia, ou a empresa petrolífera Genel Energy são suspeitos de lucrarem com tráfico do petróleo do EI, juntamente com eles estão vários países da região que têm apoiado monetariamente o EI com o objetivo de derrubar o regime totalitário de Assad.
Apesar de tudo fica um apelo. Esta guerra não precisa de ser ganha à custa de centenas de milhares de inocentes. Acredito viver num mundo onde a força é o último recurso e onde o bem em comum triunfa sobre interesses particulares.
Article published on November 29th, 2015 · Jornal de Negócios
Gonçalo Cabral
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